Bloco conservador lidera as pesquisas, mas precisará de um acordo para conseguir ter maioria. Legendas costumam montar ‘cordão sanitário’ contra a AfD, que deve ficar com o segundo lugar. A estabilidade política na Alemanha está ameaçada?
A Alemanha irá às urnas neste domingo (23) para as eleições nacionais. Com o crescimento da extrema direita, representada pela AfD, especialistas apontam que a formação de uma coalizão governamental será difícil, o que pode ameaçar a estabilidade política do país.
✅ Clique aqui para seguir o canal de notícias internacionais do g1 no WhatsApp
Nestas eleições, os alemães vão escolher os 630 deputados que vão compor o Bundestag, que é o Parlamento alemão. Em linhas gerais, os eleitores escolhem um candidato, mas também votam em um partido. Quanto mais votos a legenda receber, mais cadeiras terá no Bundestag.
As últimas pesquisas indicam que o bloco conservador CDU/CSU lidera a disputa, com cerca de 29% das intenções de voto. Em segundo lugar está a Alternativa para a Alemanha (AfD), com 21%.
Já os sociais-democratas (SPD), do atual chanceler Olaf Scholz, estão em terceiro lugar, com 15%. Também aparecem na lista os Verdes, com 13%; A Esquerda, com 8%; e os Democratas Livres (FDP), com 5%.
Para ter representatividade no Parlamento, um partido precisa conseguir pelo menos 5% dos votos.
Os eleitores da maior economia da União Europeia estão de olho, nestas eleições, nas propostas para a redução do custo de vida e da inflação. Além disso, uma parcela da população também está preocupada com a imigração ilegal.
Historicamente, o governo da Alemanha é formado por uma coalizão entre dois ou mais partidos. A última gestão, por exemplo, foi resultado de um acordo entre o SPD, os Verdes e o FDP. O colapso dessa coalizão, no fim de 2024, resultou na dissolução do Parlamento e na convocação das eleições antecipadas deste domingo.
Nos últimos anos, todos os partidos que compõem o Bundestag se recusaram a trabalhar ou formar alianças com a AfD, já que a legenda é investigada por extremismo e acusada de abrigar movimentos neonazistas.
Manter essa espécie de “cordão sanitário” contra a AfD pode se tornar difícil desta vez, já que a extrema direita deve ter o melhor resultado em nove décadas, segundo as pesquisas.
Nesta reportagem você vai ver:
Como funcionam as eleições na Alemanha?
Quem pode ser o próximo chanceler da Alemanha?
Por que especialistas veem risco na estabilidade política?
Quais coalizões podem ser formadas?
Alemanha vai às urnas para eleger o próximo Parlamento
Kayan Albertin/g1
1. Como funcionam as eleições na Alemanha?
Nas eleições alemãs, o eleitor precisa preencher duas cédulas, conhecidas como Erststimme (primeiro voto) e Zweitstimme (segundo voto).
No primeiro voto, o eleitor escolhe um candidato do distrito em que mora para ser eleito deputado.
No segundo voto, o eleitor vota em um dos partidos que concorrem às eleições.
Vale ressaltar que o eleitor não é obrigado a votar no mesmo partido nas duas cédulas. Ou seja, é possível escolher um candidato de um partido no primeiro voto e, no segundo, apoiar outra legenda.
Das 630 cadeiras do Bundestag, 299 são ocupadas pelos deputados eleitos diretamente em seus respectivos distritos. As outras 331 são distribuídas proporcionalmente ao número de votos que cada partido recebeu. Ou seja, quanto mais votos um partido obtiver, mais assentos ele terá no Parlamento.
Na distribuição proporcional, os partidos preenchem suas cadeiras com base em uma lista estaduais pré-definidas e registrada junto às autoridades eleitorais antes da votação. Geralmente, essa lista é liderada pelo principal nome do partido, que costuma ser o candidato a chanceler.
Voltar ao início.
LEIA TAMBÉM
Por que cada vez mais jovens alemães estão aderindo à direita radical
Com avanço da extrema direita, brasileiros são alvo de xenofobia na Alemanha
Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, faz saudação associada ao nazismo em evento conservador
2. Quem será o próximo chanceler?
Friedrich Merz é favorito para ser o novo chanceler da Alemanha
REUTERS/Teresa Kroeger
Com o Parlamento formado, cada partido irá indicar um nome para a escolha do próximo chanceler, que é o chefe de governo da Alemanha. Atualmente, os quatro principais favoritos ao cargo são:
Friedrich Merz (CDU), conservador de centro-direita;
Alice Weidel (AfD), de extrema direita;
Olaf Scholz (SPD), de centro-esquerda;
Robert Habeck (Verdes), de centro-esquerda.
Cabe ao presidente alemão escolher um dos candidatos. Geralmente, o escolhido é o indicado pelo partido com o maior número de assentos no Parlamento ou o líder da coalizão.
Após a escolha do presidente, os parlamentares realizam uma votação interna e secreta para decidir se o nome será aprovado ou não. Se eleito, o chanceler começa a formar o governo.
Voltar ao início.
3. Por que especialistas veem risco na estabilidade política?
Manifestantes saem às ruas de Frankfurt para protestar contra a AfD, de extrema-direita
REUTERS/Kai Pfaffenbach
O grande número de cadeiras que a AfD deve conquistar complicará a formação de um governo. O bloco CDU/CSU, que lidera as pesquisas, pode enfrentar dificuldades em costurar uma coalizão para ter maioria.
Vale lembrar que, para aprovar pautas, um governo precisa contar com o apoio de pelo menos metade do Parlamento.
As eleições provavelmente resultarão em uma coalizão desconfortável entre os conservadores e os social-democratas do SPD, semelhante ao governo de Angela Merkel entre 2017 e 2021. Também existe a possibilidade de um acordo entre mais partidos — embora quanto mais legendas participem de uma coalizão, mais instável ela tende a ser devido às diferenças internas.
Por outro lado, no mês passado, o líder do CDU, Friedrich Merz, quebrou um tabu do pós-guerra ao contar com os votos da AfD para aprovar uma moção que endurece as regras de imigração. Alguns críticos afirmaram que esse movimento rompeu o “cordão sanitário” contra a extrema direita, enquanto outros defendem que essa barreira só se aplica à formação de governos.
Uma pesquisa do instituto Forsa mostrou que cerca de metade dos alemães concorda com Merz quanto ao uso do apoio da extrema direita dessa forma. Apesar disso, o conservador descarta qualquer possibilidade de formar uma coalizão com a AfD.
O desempenho de um provável governo de Merz na recuperação da economia, no enfrentamento de temas sensíveis como imigração e na adoção de políticas mais conservadoras, poderá determinar se a AfD continuará ganhando força ou perderá apoio.
“Se a próxima coalizão não entregar resultados, uma possível vitória da AfD em 2029, ou antes, pode estar no horizonte”, disse Philipp Koeker, cientista político da Universidade de Hanover.
Já Alexander Clarkson, professor de estudos alemães no King’s College London, afirmou que os conservadores podem, em algum momento, considerar uma coalizão com a AfD caso o partido modere sua política externa.
“A questão interessante é saber se a AfD será capaz de fazer o que Giorgia Meloni fez na Itália ou o que Marine Le Pen está fazendo na França”, disse Clarkson. “Ou seja, mudar gradualmente sua postura nesses temas sem abandonar muitas de suas políticas domésticas.”
Voltar ao início.
4. Quais coalizões podem ser formadas?
Chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, em 16 de novembro de 2024
Tobias Schwarz/AFP
Na Alemanha, os partidos costumam rejeitar alianças com a AfD, já que a legenda de extrema direita possui movimentos internos que já foram relacionados ao nazismo.
Diante desse cenário, especialistas analisaram as possíveis configurações para o próximo governo alemão, caso as pesquisas eleitorais se confirmem. Confira a seguir:
▶️ GRANDE COALIZÃO
A chamada Grande Coalizão seria formada por um acordo entre o bloco CDU/CSU e o SPD de Olaf Scholz, que representam as duas principais forças políticas de centro.
O SPD e a CDU/CSU já governaram juntos quatro vezes desde a Segunda Guerra Mundial, sendo três delas sob a liderança da ex-chanceler conservadora Angela Merkel.
No entanto, Friedrich Merz deslocou a CDU/CSU mais para a direita, adotando uma postura mais rígida sobre imigração e uma visão mais pró-mercado para a economia.
Enquanto a CDU/CSU defende amplos cortes de impostos, o SPD quer aumentar a tributação sobre os mais ricos e reintroduzir um imposto sobre grandes fortunas. Essas diferenças podem dificultar um consenso sobre reformas estruturais.
Segundo o Eurasia Group, a chance dessa coalizão se concretizar é de 60%.
▶️ COALIZÃO KIWI
Uma coalizão “Kiwi” entre CDU/CSU e Verdes também é cogitada. O nome faz referência às cores dos partidos — preto e verde. No entanto, essa aliança pode não ser suficiente para garantir a maioria no Parlamento.
Embora compartilhem algumas visões na política externa, como a necessidade de aumentar o apoio à Ucrânia, há divergências significativas em temas domésticos, especialmente sobre imigração.
Essas diferenças ficaram ainda mais evidentes em janeiro, quando Merz aprovou uma moção para endurecer as regras contra a imigração ilegal com o apoio da AfD, o que gerou forte reação dos Verdes.
De acordo com o Eurasia Group, há 15% de probabilidade dessa coalizão ser formada. Caso aconteça, seria um marco inédito em nível nacional.
▶️ COALIZÃO QUÊNIA
Se partidos menores, como o FDP e A Esquerda, conseguirem entrar no Parlamento e nenhum dos dois maiores partidos alcançar maioria, CDU/CSU, SPD e Verdes poderiam se unir em uma coalizão “Quênia” — nome que faz referência às cores da bandeira do país africano.
Esse tipo de aliança já ocorreu ocasionalmente em nível estadual, mas nunca foi consolidado no governo federal.
Segundo o Eurasia Group, a probabilidade dessa coalizão se formar é de 10%.
▶️ COALIZÃO ALEMANHA
Outra possibilidade, embora menos provável, é a coalizão “Alemanha”, formada por CDU/CSU, SPD e FDP. O nome vem das cores dos três partidos, que correspondem à bandeira alemã.
No entanto, seria difícil para FDP e SPD chegarem a um consenso, já que a última aliança entre eles se desfez em 2024, após um impasse sobre o orçamento da Alemanha.
De acordo com o Eurasia Group, a chance dessa coalizão se concretizar é de 10%.
▶️ GOVERNO MINORITÁRIO
Também há a possibilidade de formação de um governo minoritário. Nesse caso, o partido mais votado governaria sem ter maioria absoluta no Parlamento.
Para conseguir aprovar leis e implementar políticas, esse governo precisaria negociar apoio com diferentes partidos em cada votação no Bundestag.
Embora essa alternativa seja rara em nível federal, alguns estados alemães já experimentaram governos minoritários.
Voltar ao início.
VÍDEOS: mais assistidos do g1
